sábado, 25 de outubro de 2008

Mais uma tarde de estudos no quarto do Juquinha...

Caralho filho duma puta você acertou o meu pé gritando no meu ouvindo e eu porra onde então eu vi a mancha viscosa se erguendo por entre os cordões tailandeses do nike e o estampido ainda zunia dentro do meu ouvido e ele caralho caralho puta merda e aí o berro virou um choro porra fudeu e eu caralho essa merda de pé no meu caminho e a parada ainda fumegava na extensão metálica do meu braço o cara chorando pedindo a mãe dele e porra o troço quente na minha mão e eu não sabia muito bem qual era o próximo passo então eu soltei a parada e ela foi de encontro à poça viscosa de mancha contornando a esquina do tênis tailandês caro e o livro de geografia jogado em cima da mesa merda merda minha mãe vai me matar e a minha então a merda do pé do sujeito no meu caminho e o berro era muito mais pesado e delicado do que eu imaginava antes e eu devia ligar pro hospital logo chamar ambulância mas aquele caldo de vermelho fazendo ziguezague pelo quarto é um algo tão bonito e tão bonito merda chama logo alguém tá doendo eu tô aleijado tô fudido agora que eu não como ninguém e cala a boca porra vira homem sua bicha e uma ou duas fungadas e mais um filho da puta você fudeu com o meu pé e me chama de bicha eu vou cagar seus dentes pra fora da tua boca e cala a boca é sério os desenhinhos que a mancha vazada saida dos confins do cadarço tailandês porque lá segundo eu saiba o troço todo é mais barato e eles cobram ainda mais caro por isso e a coisa não faz muito sentido se você para pra pensar enquanto um jato só mais um jatinho de nada daquele grosso caldo rubro quase negro cai e vai se misturando com o que já tava por ali fora uns cadarços mágicos mesmo cuspindo tudo isso e ele funga alto mais uma vez então aí a gente só olha assim por um bom tempo a parada já vai secar e manchar todo o assoalho e eu penso se não devia chamar o médico filho da puta você me fudeu ou se não devia limpar o chão me fudeu mesmo ou sumir com aquele troço metálico bonito tá doendo pacas mas o lago de substância de tênis tailandês já fez desenhos contornou a arma fez um círculo e passou por dentro e a gente olha e olha e puxa é tão bonito e eu descubro que é isso que eu quero manchas viscosas em tênis tailandeses pro resto da minha vida e a gente olha e olha e olha e olha

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Um rascunho de noite

Cada eco que estimulávamos trepidava longamente pelos canais do quarto escuro. Eu e ela, eu e você, você e ele; nós dois. Então você se desfez das suas roupas, ou ela se desfez, não sei mais, muito mais rápido do que eu ou ele ou nós dois poderíamos notar. Estávamos comovidos pela existência do ato, e não por ele em sí.
Então ela, ou você, ou ambas, se deitaram, nuas, me olhando, ou a ele; os olhos marejados e suplicantes, talvez de desejo, não sei, ele talvez saiba. Fiquei um longo tempo te olhando, ele não olhava, ela não se deixava olhar; eu deitei, ou ele deitou e eu fiquei observando, você e ele ou eu e ela ou talvez eles dois enquanto olhávamos. Eu te beijei? Ou foi ele? Ela, quem sabe?
Será que meus lábios se moveram num sussuro, ou só observei à distância segura?
Acho que te amei por alguns minutos, senti cada parte do seu corpo com meus dedos, com a ponta deles, senti teu seio macio, ele é macio? na minha imaginação talvez, os seios dela eram pequenos, quase invisíveis, os seus não sei, talvez ele saiba.
Talvez eu saiba como os teus são, e ele saiba como são os dela.
Talvez ele saiba como ambos são macios e belos e eu simplesmente não saiba porra nenhuma.
Mas aí eu te vejo despertando ao meu lado, teu hálito já não me é tão agradável mas eu sorrio mesmo assim porque sei que o efeito do halls na minha boca também já se foi há tempos. Beijo-te em silêncio e me proponho a te preparar o desjejum, e você me pede torradas e ela croissant e ele café preto. Não sei se dou conta de trazer tudo na mesma bandeja.
O teu toque suave na minha face.
Ou você tocou o rosto dele, mas fui eu quem o sentiu?
Acho que é mais ou menos aí que percebo que ela já se foi, que você nunca esteve e que ele é quem sempre existiu. Percebo as coisas cruas e frias me deslizando espinha adentro, brigando por seu espaço, é ali onde eu vejo as coisas como elas são.. Ou será que estou imaginando isso também? Na minha cabeça, tudo é tão confuso e eu não sei a hora de parar, então você se levanta e se veste e ela vai-se seminua e ele nunca esteve aqui, só você e ela e eu acho que também estava, mas quem há de dizê-lo?
À tarde, vejo a outra me olhando de soslaio, e aí eu penso se ela realmente me olha ou se sou eu quem quer isso tão desesperadamente que retê
m cada piscadela como se fosse a minha. Pesco os movimentos leves e vejo a outra e penso nela e me lembro de você. Eu penso em muitas coisas e lembro de tantas mentiras e tento não focar em nada, e talvez eu sequer esteja aqui, e acho que só o que eu preciso é de mais um café e mais uma cerveja ou mais um cigarro ou mais um sonho e então desvaneço.

sexta-feira, 17 de outubro de 2008

Batíamos frente a frente, amando milhares de quilômetros entre nós, cada um como uma punhalada, um golpe seco e firme a nos desafiar, a dizer desista, e eu desisti, e fui embora e me deitei com uma garrafa e é só. A dor é passageira e incômoda, e sempre volta vestida numa nova pele, uma carcaça de sorrisos e cheiros e sonhos e esperanças que se vão. Aí você acorda, lava o rosto, come uma torrada e pega o ônibus para o trabalho. Batíamos frente a frente amando milhares de quilômetros entre nós e desistimos e nos perdemos.
A vida é a arte do desencontro. Tecemos uma rede de impossibilidades com tamanha fraqueza que me comovo a ver os anos passando rápido e o rosto se deteriorando e o cabelo caindo imperceptivelmente banho após banho. Nos desencontramos porque não há nada mais a se fazer. É a poesia de existir, se perder, procurar em olhos turvos a beleza que já não reside em nós. Amar a infinitude do vazio, amar a boca que só aparece em sonhos. Desdenhar o que nos é real.
A vida é a arte do desencontro, e nela nos levamos. Naufragamos em tudo o que é belo e vão, os sonhos desentendidos meus e teus. O ventre plácido, e a imaginação que voa e se perde e de repente está em queda livre sete quilômetros até o chão e o desespero é só mais uma forma de transcender aquilo que chamamos de alma. Eu me perco em você e me perco em mim mesmo, e não choro a noite porque não há o que chorar. Já não existe redenção, ou existe e ela está escondida dentro do seu estômago e eu rezo que você me devore.
Eu não te amo. E, quando o amo, faço-o apenas por mim.
Nietzsche dizia que, numa relação, uma pessoa ama e a outra permite ser amada. Eu amo porque o fardo de ser amado é demasiadamente pesado, a responsabilidade pelo teu
corpo e pela tua alma eu não poderia suportar, então eu amo porque essa dor é apenas minha, e não a tua que eu tenho de carregar.
Mas não te amo, porque o amor tinha que ser autruísta e sincero e responsável, e Deus sabe que eu não sou a melhor pessoa desse mundo.
Sou só aquele que se perdeu de você.
O que se perdeu de si próprio.
A vida é a arte do desencontro.
E seguimos nos desviando, correndo para longe, passos largos, olhos à frente, pontos turísticos da nossa memória, a noite passa, olhamos as estrelas, eu tomei um café e fumei um cigarro, você só olhou e disse que meu mau-humor era lindo, minha zanga inocente, minha tristeza é aquilo que você ama sem compreender, como uma criança, e eu sinto teu pescoço tão perto, então eu acordo e não era um sonho não era um pesadelo; não era nada. Era aquilo que deveria ser, mas não é.
Somos apenas rostos familiares num álbum gigantesco de memórias insípidas o gosto amargo o fel empapando a língua. Somos todos desejos e nenhuma realização. Somos o abraço desperdiçado por entre os lençóis solitários. O perfume confuso. Eu te imagino aos meus braços, eu me desvincilho de você. Quem é você? Não sei. Apenas o sinto e me modifico e as entranhas se embaralham e teu nome é uma cifra de segredos e então me esqueço.
Te amo com a profundidade de um nada.
Não sou capaz de amar a mim mesmo.
Ou sou?
Apenas deixo que as coisas sigam, num rumo incerto, observo de longe e dou risada dos pequenos roedores se afogando na maré. Acaricio minha lágrima e a deixo pender como teus cabelos. Minha boca é a tua, meu desejo é o teu; ainda assim, dormimos sozinhos, separados pela distância de um trem, de um avião, de cinco passos tímidos até o teu portão: o que importa? Vivemos a ânsia, a sofreguidão, o regurgito, a morte iminente que espreita na esquina.
A vida é a arte do desencontro, e a vivemos com tal intensidade que sequer lembramos que poderíamos nos encontrar. Cada um com seu copo de cerveja. Cada um com seu cigarro. Cada um com sua tristeza. Cada um com seu desejo.
Adormece hoje, querida, e sonhe com nuvens de algodão-doce. Eu flutuo acima delas ao teu lado, mãos dadas bocas coladas desejos unidos.
Eu durmo embriagado com meu desejo do teu sonho.

segunda-feira, 13 de outubro de 2008

Mosaico

Junte todos os pequenos fragmentos. Os pedaços da história pescados aqui e ali, entre conversas que você ouve casualmente. Os boatos que meia dúzia de pessoas espalhou, cada versão divergindo da outra. Junte aquilo que você viu, ou aquilo que você pensa que viu. As idéias românticas que você tem. Monte um quebra-cabeça de fatos e lendas, verdades e mentiras, realidade e ficção, e aí talvez, só talvez, você comece a entender o que realmente houve.

Clarissa atravessou o corredor com pressa, os passos apertados por entre seu all-star número 38, o cabelo ondulado chacoalhando e batendo em suas costas. O gosto do Malboro, que agora jazia numa das privadas do banheiro feminino, ainda anestesiava sua boca. Esbarrou em alguém cujo rosto era uma incógnita, o que não era raro. Quando você é uma formanda, qualquer pessoa que não esteja no seu último ano também é apenas um obstáculo no seu caminho para a classe. Ou, ao menos, era assim que ela pensava, e isso era o bastante.
Entrou na sala do 3º B fingindo uma calma que não demonstrara no corredor. Afastou os cabelos da testa suada, e caminhou devagar rumo a sua cadeira, rebolando entre os três nerds que sentavam nas primeiras carteiras. Não que ela não rebolasse normalmente, mas sentia um prazer ainda maior em fazê-lo para aquele tipo de garotos. O mesmo prazer que tinha ao balançar um pedaço de carne para seu cachorro antes de enfiá-lo inteiro na boca, só que com eles era mais tátil. Mais racional. Mais cruel.
Enfim, muito mais prazeroso.
Sentou-se ereta, projetando seus seios para a frente, e reparando de soslaio a atenção que isso atraia nos rapazes que sentavam ao seu redor. Aquele olhar seco, direto, quase animal; era disso que ela gostava. Ela sabia que não era uma pessoa brilhante, mas até aí ninguém ali era. Clarissa, entretanto, tinha a certeza de que poderia se sobressair a todos eles, pois só ela tinha plena ciência de suas capacidades. Domínio sobre seu corpo, sobre o que achava que fazia dela especial. Se fosse feia, ou tivesse um corpo menos desenvolto, talvez concluisse que esse tipo de coisa era injusta, uma futilidade que não poderia condizer com a realidade da vida. Como não era esse o caso, ela simplesmente concordava, e seguia dentro das regras do jogo.
Abriu o caderno e fingiu se interessar pela literatura de Machado de Assis, enquanto a caneta deslizava pelo papel em linhas disformes, dispersas. O problema ali não era a aula, ou pelo menos não somente; Clarissa achava que, mesmo que quisesse prestar atenção num velho falando dos escritos de outro velho, não conseguiria desviar sua atenção da festa daquela noite. As aulas acabariam em uma semana, e aquela era a primeira comemoração de sua entrada na vida adulta. Nada poderia ser mais importante que aquilo, e haviam detalhes a serem planejados: que roupa vestiria, qual seria a desculpa para sair de casa à noite. Já tinha tudo na cabeça, só precisava revisar os detalhes antes de partir para a ação.
Quando o sinal da última aula tocou, os desenhos do seu caderno dançavam ao som do último hit radiofônico, num belo vestido preto.

Fernando ergueu o olhar ligeiramente enquanto Clarissa passava, a bunda colada numa calça de lycra, balançando de um lado para outro, num ritmo lento e vibrante. Ele acompanhou sedento cada golpe lateral que o traseiro dela dava em sua imaginação. Por um momento, vislumbrou a possibilidade de tê-la nua, na cama, chamando seu nome entre sussuros e piscadelas de gemido de gozo, mas a visão logo evanesceu, ciente de sua própria inabilidade com as garotas, especialmente uma das mais populares do colégio.
Ele sabia que, na maioria das pessoas ali, despertava algo similar ao asco. Não que fosse feio - na verdade, anos depois, se descobriu com uma barba espessa, o cabelo rente, e dono de um charme cativante, embora tristonho -, mas seus hábitos por ler incessantemente, a recusa em participar das atividades físicas, aliadas a um cabelo emaranhado e um rosto cravejado de meia dúzia de espinhas o tornava uma espécie de leproso cultural, alguém cuja associação na selva que era o colegial significava a morte de qualquer popularidade ou boa-vista entre os colegas.
Seu único amigo, se é que podia lhe atribuir tal título, era Jonas, um sujeitinho mirrado, com um largo óculos e o rosto tão abarrotado de acne que pareciam amêndoas. Tinha todos os ditos defeitos de Fernando, mas ainda se gabava de maneiras porcas, o cabelo ensebado e a roupa, sempre cheirando a suor curtido. Na verdade, sequer Fernando gostava muito dele - os hábitos nojentos e uma arrogância incabível em alguém tão impopular o irritavam -, mas partilhavam de gostos similares, e assim tinha ao menos uma companhia para os horários do almoço. Somente no primeiro ano da faculdade Fernando se deu conta que se aliar a um sujeito tão visivelmente imundo e prepotente pode ter ajudado em sua rejeição pelos colegas, mas não pensou muito mais nisso desde então.
Trocaram olhares, partilhando silenciosamente o gosto pelas formas de Clarissa, cada um perdido por um momento em seus próprios sonhos pela garota. Jonas ainda confirmou suas intenções imaginárias sussurando alguma coisa sobre "chupar a noite toda", mas Fernando não teve muita vontade de pedir que repetisse, e por isso simplesmente sorriu e voltou sua atenção ao professor. Não que Machado de Assís fosse algo que realmente o interessasse, mas qualquer coisa era melhor do que dar atenção às sujeiras sexuais de Jonas.
Anos depois se arrependeu de não ter partilhado mais alguns segundos daquela pequena farra sexual imaginárias. Mas a inocência perdida não volta.

A urgência dela, suas palavras desenfreadas, desmedidas: tudo isso, que os outros consideravam alguns dos defeitos de Fabiana, era o que encantava Bruno. Beijava-lhe os dedos, perdia-se e amontoava-se nos cabelos dela, em seus pêlos, na maciez de sua pele. Ela tinha cheiro de amêndoas ou rosas, e brilhava na escuridão do quarto. Muitas vezes ele a amou imaginando-a um anjo, com asas e auréola, afastando seus demônios da cama. A maneira como ela sorria no meio de uma discussão aparentemente severa de sua parte, e como ela o beijava nos olhos fechados.
Percorreu-lhe o dedo indicador pelos lábios outrora rosados. Fitou-a por um tempo, dormindo, e lembrou-se de todas as ternuras de seus momentos felizes. O tempo que se conheciam, e teve vontade de abraçá-la, mas se conteve.
Abaixou ao ouvido dela e sussurou palavras doces, mal ouvidas pelo sussurro que não atrapalhasse seu sono.
Levantou-se e caminhou até o meio da sala, rumo a porta. Olhou para trás e voltou, correndo.
Jogou-se rumo ao seu corpo e a abraçou, chorando. Lhe disse que a amaria eternamente, fez juras de paixão. E beijava-lhe a boca fria, quando três homens o carregaram para longe do caixão.

Fernando passou três anos pensando em Clarissa. No meio tempo, perdeu a virgindade, amou por seis meses uma garota de nome Sofia e a esqueceu. Hoje, as lembranças que lhe vêm à cabeça são rasas e muitas vezes sem sentido. Ele prefere se sentar no meio da madrugada, o edredon cobrindo-o apenar parcialmente, e olhar Jéssica, dormindo semi-nua, e acariciar seus cabelos suavemente para não a despertar.

Clarissa acorda cedo, ruminando um leve mal-humor vindo não tanto da luz parca que ainda pensava em clarear a sala, mas principalmente da rotina que provinha disso. Caminha até a cozinha de pijama, chinelo de dedo; colocou água no fogo, e despejou quatro colheres de café no coador. Enquanto passava o café, esquentou leite. Pegou dois copos com café e leite quentes, ambos com três colheres de açúcar cada, colocou-os numa bandeija, caminhou novamente pelo corredor, entrou em outro quarto, despertou os dois filhos pequenos, serviu-lhes, esperou que se arrumassem, levou-os até o portão e ficou observando enquanto caminhavam as duas quadras até o colégio. Depois, voltou para dentro de casa, tomou um gole de café puro sem açúcar, acendeu um cigarro, pensou no ex-marido e na amante e, pela primeira vez no dia, lembrou-se de Fernando.

Encontraram-se casualmente um dia pela rua. Agora, ambos tem trinta e poucos anos, a pele já demonstra cansaço; os cabelos dele estão mais ralos, e os dela, menos bem cuidados. Ela passa por ali todos os dias, ele só ocasionalmente. Não se viam fazia algum tempo, e sequer se falavam desde muito antes da formatura. Trocaram olhares rápidos, e ambos, apesar de que nunca souberam disso, pensaram em parar o outro para conversar.
Nenhum deles o fez.

Clarissa se casou pela segunda vez, Fernando se divorciou. Ela se separou novamente, ele não se casou mais. Ela nunca mais amou ninguém, ele teve casos passageiros com mulheres que sequer lembra o nome. Ela engordou de tristeza, ele emagreceu pelo câncer. Morreram os dois numa tarde de abril, ele num hospital, ela numa ruma movimentada. Foi quase ao mesmo tempo, mas ninguém jamais fez a relação.

As peças não se juntam perfeitamente. A vida só parece um mosaico - aqui, na realidade, é tudo mais cru, mais espaçado, os ladrilhos mal se tocam. Os espaços em branco da vida, aquelas partes da história que nós nunca ouvimos, que nunca nos deixa ter certeza, é sempre a maior parte. É etérea e eterna. Os pontos de nossa própria existência, aqueles que se chocaram por acaso, aqueles que nunca sequer estiveram perto, são tão vagos e singelos e tristes e pequenos e tenros que nós nunca saberemos realmente sobre eles. Só podemos divagar. Pensar em tudo isso, ou deixar pra lá. Não existe a resposta certa - o mosaíco se completa sozinho. Ou permanece em aberto. Não sei. Acho que nenhum de nós nunca terá a resposta, e isso vai doer e vai incomodar e vai sempre deixar uma dúvida sobre se fomos felizes, se perdemos algo, se ainda existe algo a se encontrar, antes de fatalmente nos despedirmos de nossa própria obra, de nossos ladrilhos incompletos, e nunca nunca saber como ele ficou, visto de cima.
Eu penso nisso, e penso e penso. Aí às vezes me bate uma tristeza, às vezes eu sorrio. Às vezes, eu só penso em Clarissa e Fernando, e aí eu deixo estar...