quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

Deméritos

Quando chovia, na época em que eu morava sozinho numa kitnet próxima ao largo Treze e mal saia de casa, eu tinha um pequeno ritual: arrastava a mesinha de centro - que na verdade era um compensado de madeira redondo e gasto - e uma cadeira para perto da janela, junto com o cinzeiro e uma xícara de café, geralmente já frio, e ficava sentado, observando o prédio vizinho se tornando uma imagem turva pelas gotas grossas e constantes.
Eu sequer reparava, na grande maioria das vezes, na construção deste cenário. Em um instante eu estava sentado na privada, lendo qualquer revista que tivesse arrumado no decorrer daquela semana, ou estirado no colchão-sofá da casa e, de repente, lá estava eu, sentado com um cigarro aceso pendendo entre os dedos, enquanto a cidade se enxarcava mais uma vez. Mesmo nesse instante, consiente de minha posição de observador-passivo-de-janelas, eu pouco podia fazer senão me deixar ali, às vezes exercendo uma força tremenda (ou era assim que me parecia) apenas para erguer o braço e dar um trago. E, quando a chuva diminuia, e a janela era apenas um reflexo embaçado da imagem que eu antes tinha, então só me restava arrastar os móveis (i.e, o compensado de madeira redondo e a cadeira) de volta aos seus lugares, atirar o resto de café gelado na pia, e acender mais um cigarro, no caso de haver mais um no maço - o que era bem raro em dias como aqueles.
Minha última namorada, de nome Giselle (data de término: 05 de dezembro de 2008, uma sexta-feira, às 21:35), costumava dizer que esse era o momento-chave de meu demérito enquanto homem; segundo ela, sentar-se em frente à janela chuvosa, envolto em cafeína e tabaco, era uma atitude perdedora, que demonstrava que eu era senão um moleque, jamais um homem. E, apesar de concordar com ela sobre minha fraqueza perante a vida, eu odiava o fato dela sempre classificá-la como "demérito". Eu detestava a palavra, a impertinência forçada no acento, "um demÉHrito", toda a pompa de nariz empinado e nojo enquanto a pronunciava. Odiava tanto, mas tanto, que me tornei um defensor do demérito: passei a buscá-lo em cada uma de minhas atitudes, em cada palavra proferida, em cada assinatura de documento; meu maior desejo, meu único propósito era fracassar em tudo, em ser senão um demérito de toda a expectativa, de todo a confiança, um demérito para todo o afeto já dispendiado por mim.
Parei de me barbear; a gilete cegou sozinha, abandonada no pequeno armário do banheiro, enferrujando diariamente. O cabelo cresceu, ensebado e crespo, coberto de caspas; um couro cabeludo cheio de feridas. As unhas ainda eram aparadas, ainda que num espaço de tempo muito maior do que antigamente.
Eventualmente, por mais irônico que o seja, fui bem-sucedido em ser mal-sucedido: em pouco tempo, ela se fora. Todos se foram, aliás. Pais, amigos, empregadores, cachorros, gatos, insetos - somente o demérito ficou, quieto, grudado em minha pele como um carrapato, uma mancha sanguessuga de insucessos e incertezas; uma pestilência leve, de cheiro acre, envolvendo todo o espaço ao meu redor. E ainda hoje, quando por acaso o ar me falta nos pulmões e, ofegando, minha respiração se torna mais forte, o demérito ainda exala, queimando minhas narinas, a lembrança de épocas onde eu podia observar a imagem turva da chuva, sem que a janela me parecesse um espelho côncavo d'alma.

terça-feira, 1 de dezembro de 2009

...e a sua vida poderia ser ainda pior...

É horr-rr-rrível ser gagaggg-g-gago! Tente xi-xi-xiing-gar alguém de "pu-pu-pupp-pp-pu-ti-ti-nnnha"! Perde todo o ef-ef-ef-ff-ff-feito.....