terça-feira, 30 de dezembro de 2008

Como encerrar seu ano sem nenhum tipo de motivação para o seguinte (um happy end)

É nosso primeiro ano-novo juntos. Enquanto o pernil está no forno, as uvas-passas as castanhas e os fios d'ovos descansando na mesa da cozinha à espera da decoração do prato, eu fico na sala, zapeando os canais da tv em vão, buscando algo que me prenda a atenção por mais de um minuto. Ela está no banho, um vestido vermelho que mal lhe chega aos joelhos espera na borda da cama, preste a se encher com o corpo dela.
Quando finalmente desisto da televisão, acendo um cigarro e abro uma cerveja, fuçando a coleção de cds na prateleira inferior. Frank Sinatra, Blur, Death Cab for Cutie, Chico Buarque, Tom Zé, Nirvana, The Cure: os cds não estão em ordem alfabética.
Ouço o chiado do chuveiro elétrico sumindo gradativamente, Cocteau Twins, Tom Waits. A porta do banheiro se destranca, e a vejo com a toalha enrolada um pouco acima dos seios, os cabelos presos por outra, como um turbante, passando apressada pelo corredor rumo ao quarto. O vapor que escapa vai preenchendo-o, derramando-se na sala.
Resolvo colocar o Transatlanticism no cd-player, o que me parece uma escolha mais óbvia do que acertada.
Volto à cozinha, ao pernil, aos fios d'ovos...
É nosso primeiro ano-novo juntos.

So this is the new year.
and i don't feel any different.
the clanking of crystal
explosions off in the distance

Ela chega por trás, me abraça e me dá um beijo no pescoço. Seu perfume francês vai se misturando aos odores de carne e arroz, as cebolas fritando com as amêndoas ao meu lado. Viro-me para vê-la, seu corpo envolto de vermelhidão. É a primeira vez que usa um vestido para mim. As coxas grossas, que nuas na cama me deliciavam e prendiam a atenção os lábios entregues a elas subindo lentamente, colam-se pelo vestido, são quase gordas, quase triste de se ver. Os seios juntos, antes tão desejáveis, agora são só... seios, erguidos ridículamente conta a gravidade.
Volto-me para as cebolas.
Ela abre uma garrafa de lambrusco, e me serve uma taça. Brindamos, eu a beijo, o gosto do vinho dela passando para o meu.
Levamos a ceia para a mesa.
Seus olhos me revelam uma profundidade de nada que me dá ascos.

I wanted to believe in all the words that I was speaking,
As we moved together in the dark
And all the friends that I was telling
All the playful misspellings
and every bite I gave you left a mark

Eu tiro uma lasca do pernil, e ela me censura. A gente só pode comer depois da meia-noite.
E cadê a lentilha?

Tiny vessels oozed into your neck
And formed the bruises
That you said you didn't want to fade
But they did, and so did I that day

Tomo mais uma taça de lambrusco num gole só. Prendo seus cabelos entre meus dedos, puxo-a para mim e me perco no seu pescoço.
Estouramos uma garrafa de champagne quando os fogos começam. A rolha voa sacada abaixo, e eu a abraço por trás, sentindo seu traseiro antes-sexy-agora-gordo junto a mim.
Arremeso-a contra a mesa, jogando o pernil ao chão, amêndoas e uvas-passas e fios d'ovos espalhando-se enquanto ergo seu vestido vermelho até a cintura e arranco-lhe a calcinha.
Vai ser nosso último ano-novo juntos de qualquer forma...

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Pequenos fragmentos da vida alheia - I

Harrison's Pub, 12 Nov. 08, aprox. 18h56

(Trecho segue-se de interlúdio a respeito de reminiscências do trabalho)

- ... e é óbvio que o sujeito furou, né? Quer dizer, porra, a palavra tava ali na frente dele, e ele furou! Tipo... não dá pra levar a sério, saca?
- Foda.
- É muito foda.
- É.
- (silêncio) A F. terminou comigo.
- Porra. Quando?
- Antes de ontem.
- Cacete. Que merda! Pô, você não me falou nada antes.
- É, sei lá... tava assimilando, saca?
- Foda.
- É.
- Mas, tipo, o que houve?
- Sei lá, velho. Piração de mulher. Não sei.
- (silêncio).
(Goles alternados de cerveja-importada para ambos)
- Tipo, ela veio falar comigo, papo que eu não levava a sério a relação, que eu tava sempre com um pé atrás.
- Você?
- Pois é! Na verdade, ela chegou toda meiga, sei lá, a gente tava conversando numa boa, sabe? Aí, sei lá, eu tava pensando numas coisas ultimamente...
- Que coisas?
- Ah, sabe quando você vê que a coisa toda, o relacionamento e tal, tá evoluíndo e você tem que começar a tomar umas medidas? Assim, quando a coisa meio que virou um namoro, mas ainda não é um namoro, e você sabe que deveria meio que oficializar isso com ela, e se preocupar em comprar um presente de natal bacana, e se você tem que ver qual é a programação dela pro ano-novo e se vocês vão passar juntos (gole de cerveja) sabe? Mas, ao mesmo tempo, você fica com aquele pé atrás, porque você tá realmente pensando essas coisas, mas e ela? Às vezes ela tá achando que vocês tão passando um tempo juntos sussas, e não vai ser nada demais, ou pelo menos ainda não é, e você chegar e tentar todas essas coisas... as coisas oficiais... pode ser um tremendo peso. Entende?
- É, tipo, como se você tivesse muito apaixonado e quisesse forçar as coisas.
- É, meio ficar parecendo algum tipo de maluco obcecado, sabe?
- É, sei.
- Então... mas aí a gente tava nesse papo bacana, meio sussas, e ela muito fofa, meio meiga e tudo mais, e tudo bem, mas eu tava com essas coisas na cabeça, e aí você sabe como eu sou...
- Meio impulsivo e tal, né?
- É, meio impulsivo.
- Sei.
(Goles alternados de cerveja-importada para ambos)
- Aí eu disse, tipo "queria te falar uma coisa" e ela "fala" e eu "é meio idiota, eu acho" e ela "tudo bem" e eu "então... queria te dizer que, tipo, se você não quiser mais ficar comigo em algum momento e tal, seja honesta, ok?" (gole de cerveja).
- E ela?
- Aí ela, tipo, ficou meio olhando pro nada um tempo, sabe, e tipo pirou! Tipo, veio com um papo de que eu "forçava demais as coisas, e que nunca sabia o que queria da vida, e pisava no acelerador e depois no freio (péssima analogia, né?) e que tava jogando um verde pra ela terminar comigo e que eu sempre fazia isso e que, se era isso que eu queria, ela terminava".
- Putz... que merda.
- É.
- Mas, pô, não era exatamente você que queria algo sério?
- É.
- Foda.
- É.
(Goles alternados de cerveja-importada. Dedos levantados em direção à garçonete. Dois pints Heineken. Olham a bunda da garçonete, enquanto ela se afasta. Sorrisos maliciosos trocados entre ambos)
- Tipo, não é que eu QUISESSE algo sério, sabe? Como se fosse isso ou nada. É só que, bom, sei lá, a coisa assim em aberto me irrita.
- Saquei.
- Assim... eu gostava da F., ou sei lá... assim, eu gosto dela, ela é, ou era, não sei, uma garota massa, saca? E sei lá... podia ser massa ficar com ela, tipo, sério, assim...
(Dois pints Heineken são postos na mesa. Sorrisos maliciosos goles de cerveja-importada)
- Foda.
- É, foda.
- Mas e aí? Vai ligar pra ela?
- Não.
- Certo!
(Goles de cerveja importada)
- Não tem que ligar mesmo. Mulher é foda.
- É.
- Tipo, que nem a (?), lembra?
- Essa foi foda...
- Porra, a mina ficou no meu pé um mês. Um mês. Aí tá, beleza, acabamos saindo e eu fiquei com ela, e ela me liga no dia seguinte, e a gente sai de novo dois dias depois, e ela manda mensagens no meu celular, e pô, o que eu penso? "Tá, essa garota tá mesmo a fim de mim", e começo a relaxar, sabe?
(Goles de cerveja) Começo a ligar também, a mandar mensagem... e duas semanas depois, ela termina porque "eu tô levando a coisa muito à sério".
- Vadia.
(Goles de cerveja)
- Não dá pra entender. Se você não telefona e faz, tipo, que não liga muito, você é um insensível e aproveitador; se liga, você tá indo rápido demais e não vai dar certo.
- É foda.
- Acho que não dá pra entender.
- É meio, assim, nós dois somos caras muito legais, sabia? A gente tenta não sacanear ninguém, e acaba sendo sacaneado por isso.
- É!
- Tipo... no fim das contas, essas minas são tão zuadas que tipo, elas querem um cara que vá zuar mais com elas.
- É meio que um lance "preciso ser uma mártir".
- É, meio culpa católica.
- É.
- Aí nós somos, tipo, uns caras sérios (gole de cerveja) e a gente não vai sacanear ninguém, então a gente se fode.
- É.
(Goles alternados de cerveja-importada)
- Mas é um saco ser sacaneado sempre, saca?
- Saco.
- Tipo, pô... sou um cara legal e tudo mais. Não faço o tipo "vamo-pro-meu-apê-que-eu-tenho-uma-coleção-de-selos-incrível" nem nada, então, pô...
- Eu sei. Mesmo.
- Então, cara...
(Goles alternados de cerveja-importada)
- Acho que eu devia ligar pra F., sabe, pra ver se tá tudo bem.
- Não faz isso, cara.
- Sei lá, eu meio gosto dela.
- É, foda.
- Muito foda.
- É...

- Mais dois pints, por favor?!
- ...
- Essa garçonete é uma graça, né?
- Mó gostosa.
- Eu poderia casar com ela. Tipo, amanhã. Fácil.
- E a F.?
- É mesmo... ah, foda-se ela.
- É!
- É...
(Goles alternados de cerveja-importada para ambos).

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

III

Por ora, deixe-me agora
embalado ao som de um expresso:
Ginger coffee e ao fundo o
silêncio acolhedor da Vila Madalena.
Se tudo fosse um sonho, e a fumaça
e o café
fossem tão apenas sonho;
Lançaria-me em vôo à tua janela
e te despertaria com um canto
e cantaria até eu próprio fosse desperto.

Te amo de um jeito tão simples!

Mesmo assim, te amo além da métrica
da rima
da melodia e da harmonia.
Te amo com os
olhos distantes,
com o sorriso escondido
e as mãos no bolso.
Te amo com o coração atado,
com as palavras medidas
e pequenos presentes e mimos
[guardados em pensamento;

Te amo como um tolo pois não sei amar de outro modo.

Te entrego tesouros e o mundo cobertos
[de chantilly,
Minh'alma ao sabor do Ginger coffee;
Toma meus sonhos e leva-os contigo!
ou Meu poema recheado num petit gateau.
Te dou um beijo
e afago tua mão
e cheiro teu cabelo
incontáveis eras por segundo.
Te amo assim, inconsequente.
tão belo e bobo
que meu coração se descompassa
num free jazz interminável.

O mundo lá fora de mim é silêncio.
O Ginger coffee é passado,
o poema se foi.
Tornado vento
Bateu em tua janela
Canta em teu ouvido
Embala o teu sono.