quarta-feira, 21 de agosto de 2013

TEM ESSA PARTE DO MEU CORAÇÃO QUE CANTA E CANTA


                                        ....... E essa é meio que toda a história. Bom, quer dizer, essa é uma parte da história, tendo em vista que a história continua, quer dizer, não é como se a mina tivesse morrido logo após o fim da história nem nada, foi só uma coisa, tipo, vamos dizer assim, é a minha história, né, não a história dela, e eu tou te contando uma parte dessa história e aí é essa parte que realmente importa e por isso a parte dela ou ela própria enquanto personagem da minha história continua mas continua pra ela mesma ou pra ela enquanto personagem da história de outro cara, mas não na minha.
Mas isso é muito louco, se você para pra pensar, quer dizer, ela foi alguém fisicamente estável na minha história, ela foi tipo, ela foi uma coleção de átomos e moléculas e órgãos na minha vida e agora ela é, bom, ela não é mais isso. Bom, ela é, mas não aqui não agora. Agora ela é uma personagem. Entende o que eu quero dizer? A presença física dela me é agora algo irrelevante – na verdade, a presença física dela me seria ultrajante, mas não não é bem disso que eu tou falando – tou dizendo assim que, enquanto persona na minha vida ela não existe fisicamente. Pô, você sacou, né? Não é tão difícil assim, é?
E isso faz a gente pensar. Quer dizer, se liga: nesse exato momento, é muito possível, eu diria até que na verdade ao contrário, é quase IMPOSSÍVEL que ela mesma não esteja em tipo algum outro bar, com uma amiga, uma amiga tipo assim você, né?, e ela não teja também contando essa história pra ela, a amiga, só que não é a mesma história, saca? Não é, porque nela EU sou só um personagem. Eu não existo mais na vida dela, e aí... e aí...
Então, tipo, quer dizer, a vida é meio que só, ó, calmaí, acompanha meu raciocínio, olha; quantos relacionamentos você já teve? E não tou dizendo assim nem relacionamentos sérios só, aqueles que duram anos e anos e todo o lance traumático de conhecer a família e fazer votos e esquecer coisas na casa dele(a) e depois quando tudo termina você ter que só, tipo, simplesmente deixar essas coisas para lá e nunca mais ir buscá-las e aliás nem mesmo comprar outras coisas novas que substituam aquelas que você deixou pra lá porque o simples fato de comprar as mesmas coisas novas e/ou de novo é insuportavelmente doloroso, mas aqueles relacionamentos que englobam tudo, até tipo sei lá um carinha que você viu uma vez na balada e vocês trocaram olhares e um sorrisinho meio bêbado safado mas os dois vacilaram porque talvez não tivessem bêbados o suficiente e vocês nunca então nem chegaram a tipo trocar uma palavrinha um com o outro nem nada, sabe? Isso conta como um relacionamento também, é inegável, quer dizer, em algum sentido vocês afetaram a vida um do outro, sabe? Agora pensa que esse relacionamento, e todos os outros, tipo, eles são só ficção agora. Entende? Esse carinha com quem você nunca trocou uma palavra conta pros amigos do dia que ele tava nessa balada e tinha essa garota linda que olhou pra ele mas ele não fez nada e pronto – você deixa de ser você tipo só-e-apenas-você-no-sentido-físico-e-real pra se tornar uma personagem na narrativa da vida desse sujeito com quem você nunca falou e de quem você sequer saber o nome. E não para por aí: todo relacionamento que você já teve e provavelmente todo relacionamento que você terá, eles são só a base pra que, futuramente, uma história seja extraída deles (i.e., dos relacionamentos). Então, quer dizer, é como se a vida só existisse pra ser não-vida, pra ser ficção. Ou seja, é meio que a nossa sina sermos inevitavelmente transformados em personagens das narrativas de outras pessoas, as pessoas que nos abandonaram ou que nós abandonamos, e tudo é só isso quer dizer, pensa bem, nós somos apenas personagens. Agora pensa comigo, só pensa comigo um minutinho, tá? porque veja bem, se nós somos inevitavelmente personagens na narrativa de outras pessoas, o que nos garante que as próprias narrativas das outras pessoas não são elas próprias só personagens na narrativa de uma terceira pessoa, tipo como uma boneca russa, uma história dentro de uma história dentro de uma história todas elas sendo construídas a partir da desgraça alheia, do fato de que nós, como pessoas, somos irremediavelmente falhos e egoístas e egocêntricos e tudo o que tá ao nosso redor é só material de destruição em potencial e não é sequer nossa culpa se você para pra pensar porque no fundo no fundo a gente é apenas isso apenas personagens da historiazinha que outra pessoa tá contando e tá tudo fora do nosso alcance e a gente apenas ACHA que tem algum controle sobre as coisas o livre-arbítrio é só uma palavra composta tipo duas palavras com um hífen no meio que por acaso escritas e/ou ditas assim tem um significado semântico único mas não significam realmente nada porque isso é no fim das contas irreal e a gente apenas segue o fluxo sem a menor capacidade de conseguir mudar efetivamente nada porque a gente é isso personagens no livro de alguém condenados a repetir os mesmo erros mais uma vez e mais uma vez num ciclo sem fim de dor pro divertimento alheio só pra isso pra existirem mais histórias a serem contadas mas enfim desculpa falei demais né tá ficando tarde vamo pedir a conta logo acho que a gente bebeu essas seis cervejas mesmo eu te acompanho até o metrô posso te dar um beijo?

sexta-feira, 2 de agosto de 2013

x / o

num ano vagando por entre ventanias passadas
eu cresci observando os passos delicados
que desapareciam pisada após pisada
pela escada descendente de seu quarto
de seu conforto
até estar fixa ao lado

conheci o cheiro indistinto e ocre
o estranho ritmo monocórdico d
um leve pulsar
que passava desapercebido a maior parte do tempo

eu cresci por entre faces borradas
que achavam sua segurança
em padrões disformes
linhas traçadas paralelas e transversais
e cresci assim

eu como eles
eu mais eles do que eu próprio

e procurei por entre altos muros de mármore e concreto
pelo rosto e pelos dentes talhados
revelados numa foto trêsporquatro
procurei por entre pesos e por vezes procurei
absorto
como se nada mais importasse &/ou como se tudo fosse importante
procurei pela verve
procurei pela voz e pela rouquidão

(um ronco)

eu vaguei pelas tribos solitárias
e pelas tribos enaltecidas
e procurei por entre altos muros de concreto e mármore
pela escada ascendente do teu quarto
em silêncio

e eu peço para ir embora e eu peço para voltar
repetidas e infinitas vezes
num monocórdico tom
- que não é lamento nem rejubilo -
mas o drone metálico e frio
que ressoa ocre e que
às vezes
me consola

um ano eu passei vagando pela beira
de furacões e calmarias
e cresci e me tornei sábio e me perdi novamente
por entre os ventos talhados em rostos imutáveis
que permanecem estáticos no tempo
como se apenas o que importasse
fosse o tempo em si
e nada mais.