terça-feira, 9 de junho de 2009

De pequenas gags repetidas ad infinitum

Ilustração baseada no último texto.


Obra de Zé Otávio Zangirolami, o cérebro por trás da parte visual del Fante Laranja.
http://zehotavio.blogspot.com/

segunda-feira, 8 de junho de 2009

De pequenas gags repetidas ad infinitum

"Você sacou a piada?
Ok, lá vai de novo: - Imagine que você está por aí, sabe? Você trabalha e paga suas contas e compra alguma coisa pra cozinhar na quinta à noite e na sexta, se sobra dinheiro, você sai com seus amigos e bebe um pouco além do que devia, dançando que nem um desmiolado na pista oval e porcamente iluminada, ouvindo um ruído dissone que provavelmente é música; exceto, é claro, se você acaba indo nesse lugar realmente chique mas que tem preços exorbitantes então você pede uma dose de uísque que custa mais que toda aquela cerveja que você tomou no fim de semana anterior e fica girando as pedras de gelo no copo arruinando completamente o sabor da bebida mas você não dá muito a mínima porque a dose tem que durar um tempo enquanto você ouve essa bandinha fajuta de jazz e conversa com seus amigos e fica imaginando como a sua vida seria se você tivesse seu próprio mini-bar.
"Você sacou a piada?
Ok, lá vai de novo: - Seus dias são nada além da repetição infinita de tédio remorso culpa católica desperdício de energia vai-e-vem desnecessário e incompreensível hesitação perante o sexo oposto, masturbação diária e sem graça programas de tv enfadonhos livros que você compra mas nunca consegue ler telefonemas nunca retornados paixões platônicas e insônia, cabelos caindo pança aumentando banhos quentes demorados enquanto você olha seu pinto e tetas e vagina murchos tristes e inúteis e sonha com aventuras exóticas drinques caribenhos e sexo ardente com todos os astros de Hollywood, até seu cachorro começar a babar em cima de você e você acordar em mais uma manhã de domingo e mofar perdido num desespero silencioso, até adormecer novamente.
"Você sacou a piada?
Ok, lá vai de novo: - Quando você tinha quinze anos o mundo parecia fluir contra você. Seus pais eram monstros presos nos anos 60, fósseis vivos de uma era há muito superada, e a única coisa em que você podia crer era em seu ódio contra tudo que lhe era exterior. Então você começou a fumar maconha, fazer sexo com qualquer vulva que se mexesse, beber vinho barato e vomitar na rua deixando uma baba de almoço mal digerido bílis e azedume escorrer pela sua camiseta do Bad Religion, ler Nietzsche e condenar a existência de Deus e amaldiçoá-Lo, mesmo se declarando um ateu, e discutir alto contra a burguesia podre vigente da sua casa, e E então um dia você está se formando na faculdade, com o condomínio do seu apartamento vencendo no dia seguinte; há muito você parou com as drogas, e só existe uma mulher na sua vida agora, Aquela que te liga de uma em uma hora cobrando-lhe amor, atenção ou aquele jantar com Timmy, Jimmy, Billy e Rex no Château de l'Ennui, ainda que sua mente vagueie pela trepada selvagem em cima de sua mesa de trabalho com a loira boazuda da contabilidade, e é só aí você entende o verdadeiro significado de "uma vida fodida de merda".
"Sacou?
"Ainda não?
Ok, é tipo isso: - Tem uma vida lá fora, e ela é cheia de alegria e contentamento e esperança e superação. Em algum lugar, alguém sorri genuinamente. Um lugar onde sua vida talvez pudesse ser melhor, onde você lutaria por seus sonhos de infância até que eles se concretizassem. O sexo podia ser bom; amar poderia ser recíproco. Dinheiro não seria essencial, pois suas contas estariam sempre pagas. Os unicórnios seriam seus amigos, Jesus dançaria tango com Hobbits e o Arco-Íris cantaria canções para você com coro de passarinhos azuis e fadas e você esquiaria na montanha de marshmallow encantada nos alpes suíços.
"Pegou qual é?
Mais uma vez: - Dentre os bilhões de pessoas no mundo, toda a existência individual foi extinta em prol do pseudo exercício de um livre-arbítrio que é senão a teoria que nós próprio refutamos. Os aparelhos de TV ligados à noite, o som ensurdecedor das risadas de auditório, felicidade vendida em cápsulas azuis e em caixas enfeitadas com laços rosas, substancialidade errante e ermitã; reality shows embalando seus sonhos de fama e glória, o sentido da vida diluíndo-se em doses homeopáticas de inércia passividade egocentrismo religião pagã carros importados tênis de marca revistas de fofoca romances de auto-ajuda baladas de luzes convulsivas cabelos ensebados bandas de rock vendidas pelo NME rebeldia embalada para viagem artífices de um mundo asséptico branco leitoso arte fajuta e auto-referente em busca de idolatria humor politicamente correto comida natural atitudes sustentáveis roupas ecológicamente corretas vegetarianos abstêmios alcoólatras maníaco-depressivos glutões sedentários fumantes de pulmões necrosados crianças da geração saúde maconheiros viciados em prozac hippies babacas fãs de futebol leitores compulsivos escritores influenciados por Bukowski cineastas fracassados padres e pastores ditando a lei de Deus e a ausência Dele, o domínio completo de emoções há muito suprimidas a cervejinha do fim-de-semana adoradores do Cão e comediantes de stand-up, todos eles convergindo para uma brincadeira sem fim, a morte com a última gag mas ninguém pode ouvir pois todos estavam com seus fones de ouvido, o iPod no volume máximo.
"Você sacou a piada?

"