quarta-feira, 17 de setembro de 2008

Domingo

Onze e quarenta, e ainda não consegui dormir. Já ouvi Blue Train duas vezes, assisti todo e qualquer programa disponível na TV, vasculhei minha coleção de livros, e até tentei ler algumas páginas de Última Saída do Brooklin, mas não passei do segundo parágrafo. O tédio me mata, o marasmo me sufoca. Jogado contra a parede e sacudido, um sentimento que não sei bem se é solidão ou inconformismo.

Alguns minutos antes da meia-noite, vista minha calça jeans, uma camiseta branca e uma jaqueta, e ganho as ruas. A noite está nojenta de úmida, e lança um vento gélido na cara. Sinto um arrepio, os pêlos de minha nuca se eriçam, por frio ou excitação. Dez quadras depois, avisto meu destino. Sinto o cheiro de urina e bebida do metrô Jabaquara, e as luzes ferem meus olhos.

Depois da meia-noite, especialmente nos fins-de-semana, aquele lugar é uma terra de ninguém: a escória da humanidade se agrupa ali, bebendo pinga e conhaque dos mais baratos, fumando cigarros paraguaios. Metade deles anda segurando canivetes no bolso, e aposto que alguns sentem o peso de um berro qualquer entre a calça e o corpo. Não pertenço a este lugar; sou mais medroso que qualquer um ali. Pego um cigarro e o acendo com meu isqueiro bic vagabundo. Onde estão, onde estão vocês, ó musas da minha hoite?

Ando alguns quarteirões a esmo até a ver: cabelos castanhos, estatura mediana, ombros pequenos; um olho castanho amendoado, o nariz, um traço delicado que lhe atravessa o rosto, boca de lábios finos e rosados, que tomam um vermelho agressivo pelo batom vagabundo; os seios são duas pêras que lhe pêndem firme no corpo. Usa uma blusinha curta sob uma jaqueta de couro, e uma mini-saia jeans curta, que revela um par de pernas firmes assustadas pelo frio ("ossos do ofício", penso). Oi, lindo, tá a fim de se divertir um pouco essa noite? Claro, por que não? Isso aê, meu lindo. Vambora, que você vai gostar. E quanto vai me custar pela diversão? Ah, trinta contos, uma hora, mais o quartinho do hotel pra nóis... Vamolá, te garanto que você nao vai si arrependê...

Começamos a andar até o Hotel For Lovers, na frente da estação rodoviária, e que de hotel mesmo não tem é porra nenhuma. Qual teu nome? Ah, cê pode me chamar como cê quisé. Paula, Ana, Helena... Perguntei qual é seu nome. T., ela responde. E você? Rafael. Ah, issu é nomi de anjo. É, e sorrio sem muita convicção, enquanto acendo um cigarro.

O tal Hotel For Lovers é uma bela duma pequena espelunca, decorada com um horrível papel de parede vermelho, que aluga seus quartos por hora. Quinze reais. O atendente é um negro de dois metros por três, e exibe um sorrisinho malicioso na cara enquanto me entrega a chave do quarto. Tenho vontade de vomitar na cara dele, regurgito de desprezo. Entramos no elevador até o terceiro andar, e sem o vento do lado de fora, posso pela primeira vez sentir o perfume forte e barato que T. usa. Ela segura minha mão, e sorri para mim. Lindo, você não vai si arrependê, mas ó, num gosto di sacanagem não. Que sacanagem? Você num parece o tipo, mas num quero sabe de tapa na cara nem nada dissu. E tem qui pagar antes, tá, meu lindo, você vai si diverti muito.

O quarto é uma mesinha com uma cadeira-e-mesa, uma cama com lençóis manchados e marcado por bitucas de cigarro. Um banheiro. Pego a carteira e tiro os trinta reais. Aê, brigadu, viu? Cê num vai se arrependê. Sento-me na cadeira e saco mais um cigarro. T. tira a jaqueta e se deita. Vem cá, vem. Tô fumando, fica tranqüila. Tô tranqüila, meu lindo. E se levanta. Dá um trago desse seu cigarro? e fuma. Cê é mesmo um anjo, sabia? Um anjinho sacaninha, e me dá um beijo. Seus lábios finos se deitam delicados nos meus, a respiração se descompassa, e eu sinto sua boca doce, e seu hálito de cigarros, e seu perfume barato de supermercado. T. se ergue e tira sua blusa; seus seios realmente não são maiores que duas pêras, mas o que me chama a atenção é o contraste entre sua pele branca e os mamilos rosados, miúdos, apontando na minha direção. Naquele momento, Deus, ela não pode ser uma puta; ela é um anjo, uma musa, o amor da minha vida.

Ela desce a saia e sua calcinha, sorrindo para mim. Seu corpo toma formas surreais, a visão me arranca suspiros contidos. A longa espera, maliciosa e doce, se mistura com a fumaça do cigarro na minha boca. Seus seios são duas pêras, pequenos como pêras, suculentos como pêras, doces como pêras. Tenho fome de pêra, vontade de pêra. Viveria e morreria pela pêra. Seus olhos amendoados, o sorriso... Ela sorri tanto! E seus lábios tremem. O sorriso lhe dói, ele sai forçado, lânguido. E é quando me dou conta que T. não é um anjo, não é uma musa; ela conta os segundos para sair dali, comprar um maço de cigarros com meu dinheiro e esperar seu próximo cliente. Não é ali que está minha redenção. T. se ajoelha à minha frente, abrindo minha calça. Cê vai ter a melhor hora da sua vida, meu lindo.

E enquanto ela abria sua boca, eu fechava meus olhos, e só desejava ir embora...

Passava das três quando finalmente voltei para casa. Depois que deixei o hotel com T., ela e seus recentemente ganhos trinta reais, andei sem rumo por algum tempo, até me sentir verdadeiramente cansado e derrotado. Me deitei nu, os olhos pedindo clemência, mas os pensamentos ainda voavam, milhões por segundo, pulsos elétricos sem fim. Os braços pendiam exaustos, segurando um último cigarro. A janela semi-aberta deixava um traço inexpressível de luz entrar no quarto, uma última lembrança da noite que tivera. As pernas começavam a formigar, a química em meu corpo se alterando os pulsos diminuindo tudo entrando num grau de letargia o sono se apoderando de meu corpo tudo triste tudo desconexo. Quando eu acordar, será domingo. O canal 4 estará passando algum seriado estúpido, ou um programa esportivo. Mulheres preparando o almoço de suas famílias, seus maridos levando os filhos para a feira, comendo pastéis. O movimento na rua lento, sereno, tranqüilo. Quando eu acordar, será domingo. O mundo ainda estará aqui, as mesmas pessoas, os mesmos empregos, as mesmas namoradas, tudo em seu devido lugar. Tudo estará do mesmo jeito que hoje. Só eu que, talvez, não esteja.

2 comentários:

thiago mottanetto disse...

ele te amou por 30 conto?? Senti um Brás Cubas do século XXI mais deprimido dessa vez. Recaído na angustia de ser um qualquer no mundo, ou quem sabe até um nada.

Dark Lord of the Sith disse...

30 conto é foda.
pior é aquelas que fazem a hora por 10!